"à procura, procura do vento. Porque a minha vontade tem o tamanho de uma lei da terra. Porque a minha força determina a passagem do tempo. Eu quero. Eu sou capaz de lançar um grito para dentro de mim, que arranca árvores pelas raízes, que explode veias em todos os corpos, que trespassa o mundo. Eu sou capaz de correr atrás desse grito, à sua velocidade, contra tudo o que se lança para deter-me, contra tudo o que se levanta no meu caminho, contra mim próprio. Eu quero. Eu sou capaz de expulsar o sol da minha pele, de vencê-lo mais uma vez e sempre.

Porque a minha vontade me regenera, faz-me nascer, renascer.
Porque a minha força é imortal."

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A velhinha

Num domicílio, espera a velhinha e espera a senhora.
A velhinha anseia aquela visita. Para ela, todos os dias são iguais. Para ela, já há muito que a rotina se instala lentamente. Já baralha os pensamentos... e as dores são tantas!...sempre cheia de dores... As costas estão deformadas pelo tempo, a memória está enfraquecida pela solidão, os músculos estão velhos, o cabelo velho, o cansaço velho, quase tudo velho.

A velhinha já mal dorme. Quando aparece a senhora, logo pela manhã, a velhinha arriba um pouquinho. 
A senhora vê a velhinha confusa, triste, a cheirar a urina... E tenta resolver tudo, minorar aquela dor. A senhora dá a medicação, lava e veste a velhinha, deixa o almoço e fala com ela.

Chegam o médico e a menina. A velhinha tem esperança, mas por outro lado sente-se velha e sozinha. Diz que já não tem ninguém, nem marido, nem sobrinhos, nem irmãos. Chora. 
O médico receita nova medicação, pára o medicamento que faz a velhinha levantar-se muitas vezes de noite para ir à casa de banho. Receita um medicamento para ajudar a velhinha a dormir, a pedido da senhora. Receita um medicamento forte para as dores. E a velhinha sente-se mais amparada. Começa a conversar. Diz que é do Minho, que já vive em Lisboa há mais de 50 anos.  A menina observa e ouve.

Chega a hora do médico ir embora. A velhinha fica triste. 
O médico aperta a mão da velhinha, a velhinha sente que em breve ficará sozinha. 
A menina aperta a mão à velhinha, a velhinha não deslarga essa mão. Diz que alguém assim é que ela precisava, alguém com quem pudesse conversar e que lhe fizesse companhia. Elogia a senhora, diz que ela é muito querida. Mas sente que tem muitos tempos vazios, sem ninguém. A menina diz à velhinha para ter força, que já é bom ter aquela senhora que é tão dócil e que lhe faz um pouco de companhia.

E vão-se embora.
Ficam a velhinha e a senhora.
A senhora é apenas voluntária.
A velhinha é apenas velhinha.
O médico é apenas médico.
A menina é apenas menina. Fica a pensar... E lembra-se de uma frase da velhinha.
Enquanto há vida há esperança.



5 comentários:

  1. E quantas velhinhas haverá por aí que nem médico, nem menina, nem senhora têm a quem apertar uma mão... Beijinhos, querida Janine. Beijinhos, querida "Menina"...

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  2. É como a Madalena diz, existem muitos velhinhos que não têm ninguém, deve ser muito triste terminar assim:(

    jokas

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  3. Olá amiga.

    Continuação de boa semana.

    Beijinhos.

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  4. Pois é, Janine, nem tudo se resolve com medicação! Ou melhor, o principal não se resolve com medicação. Mas neste mundo, no tempo em que vivemos, ninguém consegue arranjar tempo para o principal, porque as prioridades andam trocadas, talvez a par dos valores...

    um beijo grande

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  5. Um beijinho para todos, obrigada pelo comentário no cantinho. Beijinho.

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